Eu estou velho
Um velho homem velho
O fungo que cobre o meu sentir já tem seu próprio fungo a lhe cobrir
É esse orvalho ralo em galhos ressequidos as minhas memórias
O meu coração cansado já não se inflama
Nem diante das atrocidades humanas
Nem com a beleza cálida d’algum sorriso
Tão pouco com as cores quentes e agitadas de qualquer paixão
Ele segue nesse compasso
Meio passo para um lado
Um e meio para outro
A minha espada de tintas e rimas
É meu cajado enferrujado e quebradiço
E o brilho largo dos meus olhos vive preso
No opaco, das minhas retinas secas
Me resta de defesa a pele incrustada de tudo o que o vento dos gritos sofridos carregou
Me resta caminhar nesse charco de sangue e lágrimas que o ouro, agora inválido, criou
Até meus ossos estão enrrugados e curvos, rangem com velhas tábuas de um assoalho antigo
Pisadas por coturnos pretos de cidadãos de bem
Eu ainda existo pois
Em algum lugar do que já foi um cérebro altivo e agitado tem algo que ainda pulsa, vibra
Uma fagulha, uma faísca, uma centelha
Eu não sei se de esperança ou de teimosia
Ou se é a filha dessas duas
Ou é tudo o que restou
Daquilo que um dia , foi minh’alma.
Adriano Chastel.